Jornalista com diploma, Frei Silvério (Foto), demonstrou sempre
admiração pelo Beato Tito Brandsma,
Jornalista Mártir; o artigo que vamos ler foi escrito em março de 1960. E Imprensa vem sempre com maiúscula.
ATUALIDADE DE UM EXEMPLO
Frei Silvério de Lucena Ruas, Convento do
Carmo, Belo Horizonte-MG. 1960.
"Amei aqueles que foram tão fortes e tão iluminados
que pareciam criar ao seu redor
um mundo novo". (Alain Fournier)
Avaliar alguém? Nada mais difícil!
Os elementos apresentados, às vezes, são tão aparentes, inúmeras as
contingências de errar que julgamentos precipitados são inevitáveis. Conhecer
seu caráter, analisá-lo nas suas diversas facetas, estimar seus propósitos,
aquilatar suas ações é algo que exige estudo profundo e prudência esmerada.
Mais ingrata é a tarefa quando falta o original, quando se apresenta apenas o
retrato (e onde encontrar um retrato fiel?), quando minguados são os
testemunhos.
Tais considerações nos surgem à
mente ao trazer a lume a figura de Frei Tito Brandsma. Apenas pálidos reflexos
de sua pessoa chegam até nós. Sabemos somente que "é um pedaço de homem
magricela", sob cuja capa aparece o carmelita autêntico, o professor
cativante, o poeta inspirado, o autor fecundo, o jornalista combativo, o
prisioneiro de Dachau...
Eis Tito Brandsma! Conhecimento tão
superficial será suficiente para traçar-lhe o perfil? Indubitável que não!
Algo, contudo, não requer maiores pormenores: apresentá-lo como exemplo. E isto
limitado a um ângulo especial. Pode não ser o mais característico; não é, por
certo, o mais sublime; desconhecer, porém, seu interesse atual é desprezar a
realidade. O jornalista em Frei Tito merece ser focalizado. A importância da
Imprensa (e mormente na sua forma mais difundida de jornalismo) é fato inegável
e exemplos no seu exercício são indispensáveis. Alguns esclarecimento tirarão
as dúvidas.
* * *
Veículo das ideias, numa época em
que elas medram, crescem avolumam-se de maneira vertiginosa, desponta a
Imprensa como uma das conquistas vanguardeiras do progresso humanos. Meio
aliciante atinge todas as camadas sociais. É o pão cotidiano de pobres e ricos.
Sua influência é geral, sua penetração ostensiva.
A Igreja, Tesoureira da Verdade, não
pode deixar de acompanhar-lhe os passos. Não menospreza seu valor como não
ignora os males que pode causar e o bem que pode promover. Eco de tal
solicitude são as inúmeras advertências oriundas da Cátedra de Pedro. Citar
documentos seria supérfluo. Basta reviver a figura saudosa de Pio XII. Não era
este um dos pontos mais visados em seu pontificado no turbilhão de problemas
que sua visão ampla descortinava? Patentear a importância da Imprensa,
determinar os deveres do jornalista, indicar-lhes como bússola a Verdade, eram
ítens constantemente agitados. E justamente por compreender seu papel
preponderante na época presente estava compenetrado de sua necessidade para o
Apostolado da Igreja. De fato nada mais eficaz... para promover uma ação
intensa entre os fiéis, transmitir-lhes a doutrina da Igreja, alertar os espíritos
contra as idéias insidiosas dos inimigos da verdade, evitar torne-se o homem
semelhante a "caniços agitados pelo vento"... Esclarecer, alimentar,
elevar os espíritos e os corações, eis a honra e a glória da Imprensa católica!
Diante de tão nobre missão como não
admirar os apóstolos abnegados da pena no seu labutar cotidiano para melhor
servir à causa de Cristo? Como não apresentá-los como modelos nestes tempos
tormentosos? Pio XII está aí a nos incitar: "Voltemos o nosso pensamento
para tantos homens grandes, honra e glória do jornalismo e da Imprensa católica
nos tempos modernos. Há mais de um século eles se erguem diante de nós como
modelos de atividade espiritual; mais ainda: de suas fileiras têm saído
verdadeiros mártires da boa causa, confessores valentes entre as dificuldades
espirituais e temporais da existência. Abençoada seja a sua memória"!
Frei Tito não pode ser esquecido.
Nas suas veias corria sangue de jornalista e tal aptidão ele desenvolveu para
defender os princípios cristãos. Não lhe era empecilho a sua debilidade física:
uma vontade tenaz supria esta deficiência. Não lhe era contrário seu ideal
carmelitano: no carmelita contemplação e ação formam uma simbiose de resultados
fecundos. Não lhe eram óbices outras atividades: era antes fruto sazonado das
mesmas. Jornalista militante e
adestrado conhecia a eficácia da arma que empunhava. E quando mais premente se
lhe tornou o manejo, o jornalismo no incansável frade apareceu em toda a sua
fortaleza: 1940. Holanda submergia no caos da ocupação nazista. Frei Tito,
Assistente dos jornalistas católicos... A senda que ele trilhou nestes tempos
seria digna de uma epopéia com a ressalva de que o fantástico ali não se
imiscuíra, a realidade se apresentava nua e crua. Seguir-lhe os passos não é nosso
intento. Mostrar-lhe o denodo seria supérfluo. Queremos apontar apenas um
exemplo, o exemplo do jornalista católico que, em última análise, se reduz a
esta fórmula lapidar e apostólica: "Non póssumus!" ("Não
podemos!)
Contra as idéias anticristãs do nacional-socialismo,
frente às ardilosas manobras dos subvertedores da ordem, diante da coação
imposta aos jornalistas católicos, o "Non póssumus" do pequeno monge
é o sinal de alerta onde o silêncio é uma deserção: "Não, meus amigos, não
podemos mais ceder. Já chegamos ao limite". Reflexo de tal atitude é a
corajosa declaração dos bispos holandeses na carta de 16 de janeiro de 1942:
nada de colaboração com os nazistas, é a ordem emanada das autoridades
eclesiásticas.
O "Non póssumus" de Frei
Tito triunfara. Esta locução mágica, proferida pelos apóstolos e de que a
Igreja jamais abdicou... invocada sempre com o mesmo timbre diante de
imperadores, reis, governos, ideologias perniciosas... plasmadora de heróis e
prenúncio do martírio ... o humilde carmelita sustentara e as conseqüências
decorreram numa lógica implacável.
Há um nexo íntimo, profundo entre
este "Non póssumus" e Dachau, entre a intrepidez do frade jornalista
e o Calvário. O defensor da Imprensa católica na Holanda não se intimidou ante
a cruz. Morreu o homem, mas o exemplo permanece vivo nos nossos tempos.
Abençoada seja a sua memória!
* * *
No desencadeamento dos males que
pesam sobre a humanidade erguem-se os espíritos e lançam-se à iniciativa:
construir um Mundo Novo, eis a meta dos seus objetivos. É o ideal que acalentam
os fortes quando se vêem envolvidos na catástrofe que cai sobre o seu
"pequenino mundo". Idéia peculiar de tal fenômeno dá-nos P.H. Simon
no seu dramático livro, "Os Homens não querem morrer": Expulsos do
seu "pequenino mundo" da Iugoslávia, reduzidos à miséria, corações
despedaçados, acantoam-se num pedaço de terra da Alemanha, esta mesma Alemanha
que chorava sobre as ruínas de um sonho falaz. Unidos, enlaçados pelo mesmo
ideal, esquecidos das rixas pessoais e ideológicas lutam todos para edificar um
mundo novo que compensasse aquele que perderam. E fica-nos na memória a
confissão de um destes entusiastas ao indicar a causa dos insucessos
inevitáveis: "Não temos santos entre nós..."
Construir um Mundo Novo... e nada
mais necessário para tanto do que homens devotados a Deus, homens de oração.
São almas cuja coragem incute estímulo aos que se deixam arrastar pela caudal
do desânimo. São corações que pulsam para o alto e convidam os outros a
elevar-se: "Sursum corda!".
A pequenina Holanda, quando se viu
amordaçada na sua liberdade, diante o esboroamento de seu "pequenino
mundo", encontrou em Tito Brandsma o homem providencial, o exemplo de
vigor na luta contra os grilhões que a
acorrentavam.
Não se confina, porém, à pequena nação
o seu exemplo. Tais exemplos de fortaleza e destemor são universais:
destinam-se a todos e são postos à imitação de todos. Sob a égide da Igreja
esta universalidade atinge o máximo grau: nela há uma estreita união, uma
solidariedade íntima entre seus membros que os faz pairar acima dos limites
estreitos de uma nação e os coloca num âmbito internacional.
É sob este prisma que o exemplo de
Frei Tito se apresenta. Ainda mais numa época em que profunda é a aversão
contra os cerceadores dos direitos essenciais da pessoa humana, contra o jugo
totalitário dos acorrentadores da liberdade. E foi justamente contra este jugo
que os seus esforços se dirigiram em sua Pátria. E aí o jornalista, na sua
pessoa, desempenhou um papel preponderante que o transforma num exemplo,
exemplo de uma necessidade incontestável para um intuito por muitos proclamado,
mas que só a Igreja possui os meios de realizá-lo: construir um Mundo Novo,
aspiração cujo significado surge espontâneo - "Instaurare omnia in
Christo" (Em Cristo renovar o Universo inteiro).
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